O Paladar está diretamente relacionado com o sentimento, é o sentido que atua onde a alma é mais alma, portanto, sentimento puro.
Por portar uma imensa carga afetiva, aquilo que se percebe pelo gosto, vincula-se animicamente à criança e consequentemente ela se conecta ao sentimento de prazer e desprazer ou do que também podemos chamar de gostar e não gostar. Qualquer coisa degustada estimula fortemente a simpatia e antipatia.
Degustamos uma leitura, um ambiente, uma arquitetura e por isso o verbo ‘gostar’ se amplia para outros contextos como o da arte, da vestimenta, etc. Ele é usado para caracterizar o que nos é agradável ou desagradável.
A nossa linguagem corrente se utiliza dos sabores para descrever muitas qualidades ou estado de ânimo, como, pessoa doce, decepção amarga, comentário azedo, etc.
O gosto não está vinculado apenas ao sabor dos alimentos, mas também ao bom gosto para as artes e a estética em geral. A Alma sente-se revitalizada quando está num ambiente em que reina o “bom gosto”.
Neste sentido, podemos observar que o que se percebe pelo paladar não é a qualidade do alimento ingerido, mas sim o resultado da interação do nosso organismo com ele (líquidos e sentimentos).
A ingestão do alimento se dá pela boca, um local totalmente privado, o que pode ser observado pela própria formação física, é preciso abrir a boca para receber o alimento, por isso alimentar-se é um assunto tão íntimo e requer uma certa audácia.
A criança, ao ingerir um alimento, estabelece uma relação com ele, ela absorve algo do universo que depois, no final do processo digestivo, se tornará parte da sua corporalidade, instrumento com o qual ela atuará no mundo.
Apesar de iniciar-se na boca, a sensação gustativa não se restringe a ela, mas toma conta do organismo todo e quanto mais jovem for a pessoa, mais intensa é essa vivência global da degustação. A criança pequena degusta o leite materno com o corpo todo e até estica as pontas dos dedos do pé quando está sendo amamentada.
A partir dos 7 anos de idade, a criança começa a desenvolver o paladar e a distinguir alimentos. Antes disso, ela somente manifesta agrado ou desagrado.
Quando uma criança pequena se recusa a experimentar um novo sabor, o que normalmente lhe falta é uma pitada de audácia ou coragem, que pode ser superado com uma doce música, agradável história ou uma imagem que desperte sentimentos nobres.
Os Sabores provocam sensações de expansão e contração, que podem ser comparados com o ritmo do batimento cardíaco, ou com o ritmo da natureza – inverno e verão, ou dormir e acordar, ou inspirar e expirar.
Rudolf Steiner expressa que a nossa tarefa como educadores é a de ensinarmos as crianças a respirarem e a dormirem e isso me lembra um aforismo de Goethe:
“Duas graças há no respirar
Inspirar o ar e dele se livrar.
Inspirar constrange, expirar liberta.
Tão linda é feita da vida uma mescla.
Agradece a Deus quando ele te aperta,
E agradece de novo quando te liberta”
Eu diria que precisamos ensinar as crianças a apreciarem a contração extrema do amargo e a leve expansão do doce.
O Doce diminui a consciência, é confortável, faz-nos “adormecer”, derrama-nos no universo, enquanto o amargo e o ácido aumentam o nível de consciência, desperta e refresca, contraindo-nos.
O sabor amargo também trata de uma questão da vontade. Para tolerá-lo, é preciso um ato de vontade.
O salgado é mais concreto, desperta e acorda. Uma criança muito acordada para o mundo, por exemplo, deveria evitar o sal. O sal está relacionado com o pensar. Ele evidencia o sabor dos alimentos, como que se esquece de si mesmo e se ocupa de outras coisas e não de si.
Steiner relata que nós não entendemos absolutamente os pensamentos ou as palavras de outras pessoas, nós a degustamos como um vinho, ou um vinagre, ou um prato qualquer. Por isso, além de estar relacionado com a vitalidade humana, o paladar se relaciona com o pensamento.
Nossa nutrição, cada vez mais pobre, tornou o sentido do paladar um dos mais comprometidos.
Alimentos com substâncias artificiais, excessivamente cozidos ou desnaturados, estragam o paladar. O Microondas compromete o sabor e consequentemente as forças vitais.
Comer muito depressa, sem sentir o gosto da comida, além de comprometer o desenvolvimento do paladar, também pode acarretar consequências sérias para os órgãos digestivos, como a formação de úlceras gástricas.
Esse sentido nos diz se algo é insensato ou tem sensatez, se é sadio ou não. Os peixes sabem discernir se uma água é sadia pelos seus órgãos gustativos que estão distribuídos pelo corpo todo.
É possível observar que a experimentação exige das crianças um ato de vontade, elas precisam do exemplo e da força interna do adulto cuidador para encontrar sua coragem e então dar um passo em direção ao degustar.
Quando esse passo é dado, o sentimento de alegria, força e bravura preenche a criança, sua postura física muda e ela então pode mais uma vez se entregar, agora com mais determinação, ao brincar.
O paladar pode desenvolver a vida interior humana. É o sentido que precisa ser urgentemente desenvolvido, pois o ser humano corre o risco de cair na unilateralidade e na animalidade com a uniformização dos sabores (fast foods em geral). A nossa pobreza ou riqueza interior está relacionada com o sabor da nossa comida.
Em geral, quanto mais educado for o paladar, mais cortês e gentil é a pessoa.
O futuro das crianças está intimamente relacionado com o alimento anímico espiritual que elas ‘ingeriram’ na infância. O desenvolvimento saudável da vida humana depende do aperfeiçoamento destes “gostos”, pois o bom gosto frutifica o mundo.
Pessoas com paladar educado conseguem distinguir os alimentos de boa qualidade. Portanto, se quisermos construir uma sociedade mais refinada, culta, devemos desde cedo educar o paladar das crianças, oferecendo-lhes uma grande variedade de alimentos não modificados e estragados por excesso de manipulação, desde o seu plantio até chegarem à mesa.
O nosso importante papel como educadores é de ajudarmos as crianças a se sentarem à mesa, agradecerem, encontrarem a coragem interior para saborearem calmamente uma variedade de alimentos de real valor nutricional e finalmente consigam encontrar sentimentos nobres por meio do paladar. Pois, o que importa mesmo é que transformemos o paladar em forças de sentimento.
Graciela Franco da Silveira